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Fernando Pessoa Estou ouvindo

Estou ouvindo
O Historiador

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Certa noite bem tarde, ao explorar a biblioteca do pai, uma jovem encontra um livro antigo e um maço de cartas amareladas. As cartas estão todas endereçadas a “Meu caro e desventurado sucessor”, e fazem mergulhar em um mundo com o qual ela nunca sonhou - um labirinto onde os segredos do passado de seu pai e o misterioso destino de sua mãe convergem para um mal inconcebível escondido nas profundezas da história.
As cartas fazem alusão a um dos poderes mais maléficos que a humanidade jamais conheceu, e a uma busca secular pela origem desse mal e sua erradicação. É uma caça à verdade sobre Vlad, o Empalador, o governante medieval cujo bárbaro reinado gerou a lenda de Drácula. Gerações de historiadores arriscaram reputação, sanidade, e até mesmo as próprias vidas para conhecer essa verdade. Agora, uma jovem precisa decidir continuar ou não essa busca - e seguir seu pai em uma caçada que quase o levou à ruína anos antes, quando ele era um estudante universitário cheio de energia e sua mãe ainda era viva.

-

O que a lenda de Vlad, o Empalador tem a ver com o mundo moderno? Será possível que o Drácula mítico tenha realmente existido - e continuado a viver, pelos séculos afora? A resposta a estas perguntas atravessa o tempo e as fronteiras enquanto primeiro o pai, e depois a filha perseguem pistas que os levam de empoeiradas bibliotecas de universidades norte-americanas a Istambul, Budapeste e os confins da Europa oriental. Em cada cidade, monastério e arquivo, em cartas e conversas secretas, emerge a horrível verdade sobre o feroz reinado de Vlad - e sobre um pacto atemporal que pode ter mantido sua monstruosa obra viva através dos tempos.
Juntando indícios escondidos e textos até então desconhecidos, e interpretando as mensagens em código enredadas na trama das tradições monásticas medievais - bem como esquivando-se dos adversários que farão de tudo para proteger os milenares poderes de Vlad -, uma mulher desvenda o segredo de seu passado e enfrenta a própria definição do mal. O Historiador é uma aventura de proporções monumentais, uma narrativa incansável que mistura fato e fantasia, passado e presente, em um estilo de suspense quase intolerável - e impossível de esquecer.

Capítulo 1

Em 1972, eu tinha 16 anos - jovem demais, dizia meu pai, para viajar com ele em suas missões diplomáticas. Ele preferia saber que eu estava atenta às aulas sentada em minha carteira na Escola Internacional de Amsterdã; naquela época, a sede da fundação dele era em Amsterdã, onde eu morava já fazia tanto tempo que quase esquecera a nossa vida anterior nos Estados Unidos. Hoje, acho estranho que eu fosse tão obediente em minha adolescência enquanto minha geração experimentava drogas e protestava contra a guerra imperialista no Vietnã, mas eu havia sido criada em um ambiente tão resguardado que faz minha vida adulta e acadêmica parecer decididamente aventurosa. Para começar, eu era órfã de mãe, e os cuidados que meu pai tinha comigo foram intensificados por uma dupla noção de responsabilidade, de modo que ele me protegia mais do que se as circunstâncias fossem outras. Minha mãe morreu quando eu era bebê, antes que meu pai fundasse o Centro para a Paz e para a Democracia. Meu pai nunca falava dela e esquivava-se discretamente sempre que eu fazia perguntas; bem cedo compreendi que era doloroso demais para ele tocar naquele assunto. Em contrapartida, ele próprio cuidava muito bem de mim com a ajuda de diversas preceptoras e governantas que contratava para este fim - dinheiro não era empecilho quando se tratava de minha educação, apesar de vivermos com simplicidade no dia-a-dia.

A última dessas governantas foi a Sra. Clay, que tomava conta de nossa pequena casa do século XVII em Raamgracht, um canal no coração da cidade antiga. A Sra. Clay abria a porta para mim todos os dias quando eu chegava da escola e era minha mãe substituta quando meu pai viajava, o que acontecia com freqüência. Ela era inglesa, mais velha do que minha mãe teria sido, hábil com um espanador de pó e desajeitada com adolescentes; às vezes, olhando para sua expressão de pena exagerada e para seus dentes compridos durante o jantar, eu tinha a impressão de que ela pensava em minha mãe e a detestava por isso. Quando meu pai estava fora, a linda casa ecoava como se estivesse vazia. Não havia ninguém para me ajudar com os deveres de álgebra, ninguém para admirar meu casaco novo ou me pedir um abraço, nem para exclamar como eu estava ficando alta. Quando meu pai voltava de algum daqueles lugares cujos nomes estavam escritos no mapa da Europa pendurado na parede de nossa sala de jantar, ele recendia a outros tempos e lugares, um cheiro pungente e cansado. Passávamos as férias em Paris ou Roma, diligentemente estudando os marcos que meu pai achava que eu deveria ver, mas eu suspirava por aqueles outros lugares para onde ele desaparecia, aqueles estranhos lugares antigos onde eu nunca estivera.

Enquanto ele não estava, eu ia e voltava da escola, atirando meus livros com estrépito sobre a mesa lustrosa do saguão. Nem a Sra. Clay nem meu pai me deixavam sair à noite, exceto para ir ao cinema de vez em quando assistir a um filme cuidadosamente aprovado, com amigos aprovados com igual cuidado, e - para meu espanto retrospectivo - nunca desdenhei essas regras. De qualquer forma, eu preferia a solidão; era o elemento em que eu fora criada e no qual me sentia à vontade. Sobressaía-me nos estudos mas não na vida social. As meninas da minha idade me apavoravam, especialmente as sofisticadas de nosso meio diplomático, que falavam com desenvoltura e fumavam sem parar; perto delas, eu sempre achava que meu vestido estava comprido demais, ou curto demais, ou que eu deveria estar vestindo algo totalmente diferente. Os rapazes me desorientavam, embora eu sonhasse vagamente com homens. Na verdade, ficava mais feliz sozinha na biblioteca de meu pai, um belo e amplo aposento no primeiro andar de nossa casa.

É possível que a biblioteca de meu pai tivesse sido antes uma sala de estar, mas ele se sentava apenas para ler e considerava uma ampla biblioteca mais importante do que uma ampla sala de estar. Já fazia tempo que ele me dera livre acesso à sua coleção de livros. Durante suas ausências, eu passava horas fazendo meus deveres de casa na mesa de ­mogno ou passando os olhos pelas estantes que cobriam todas as paredes. Compreendi mais tarde que meu pai ou meio que esquecera o que havia em uma das prateleiras superiores ou - o mais provável - presumira que eu jamais conseguiria alcançá-las; e, certa noite, não só desci uma tradução do Kama Sutra como também um livro muito mais velho junto com um envelope cheio de papéis amarelados.

Até hoje não sei dizer o que me fez tirá-los de lá. Mas a imagem que vi no centro do livro, o cheiro de coisa antiga que o volume exalou e a descoberta de que os papéis eram cartas pessoais, tudo atraiu fortemente minha atenção. Sabia que não deveria examinar os papéis particulares de meu pai, ou de quem quer que fosse, e também receava que a Sra. Clay pudesse aparecer de repente para espanar a mesa já limpíssima - deve ter sido isto o que me fez olhar por cima do ombro para a porta. No entanto, não consegui deixar de ler o primeiro parágrafo da carta que se encontrava no alto da pilha, segurando-a por alguns minutos parada junto às estantes.

12 de dezembro de 1930
Trinity College, Oxford

Meu caro e desventurado sucessor:

É com pesar que o imagino, quem quer que seja você, lendo o relato que preciso consignar aqui. O pesar é em parte por mim mesmo - porque decerto estarei no mínimo em dificuldades, talvez morto, ou pior, se esta se encontra em suas mãos. Mas o pesar é também por você, meu amigo ainda desconhecido, porque somente por alguém que precise de informações tão horríveis é que esta carta será lida algum dia. Se você não é meu sucessor em algum outro sentido, em breve será meu herdeiro - e sinto tristeza de legar a outro ser humano as minhas talvez inacreditáveis experiências pessoais com o mal. Por que motivo fui eu a herdá-las, não sei dizer, mas espero acabar descobrindo - quem sabe enquanto estiver escrevendo a você ou no decorrer de acontecimentos futuros.

Nesse ponto, meu sentimento de culpa - e algo mais, também - fez-me colocar apressadamente a carta de volta em seu envelope, mas pensei nela o dia inteiro e ainda no dia seguinte. Quando meu pai voltou de sua viagem mais recente, procurei uma oportunidade para perguntar a ele sobre as cartas e sobre o estranho livro. Esperei uma ocasião em que estivesse desimpedido, em que ficássemos sozinhos, mas ele esteve muito ocupado naqueles dias e alguma coisa relacionada ao que eu havia encontrado fazia com que eu hesitasse em me aproximar dele. Afinal, pedi-lhe que me levasse em sua próxima viagem. Era a primeira vez que eu escondia algo dele e a primeira vez que insistia em alguma coisa.

Relutante, meu pai concordou. Conversou com meus professores e com a Sra. Clay, e lembrou-me que eu teria tempo suficiente para meus deveres de casa enquanto ele estivesse em suas reuniões. Não me surpreendi; os filhos de diplomatas estão acostumados a esperar. Fiz minha mala azul-marinho, levando meus livros escolares e um número excessivo de pares limpos de meias três-quartos. Em vez de sair para a escola naquela manhã, parti com meu pai, andando ao lado dele calada e alegre rumo à estação. Um trem levou-nos até Viena; meu pai detestava aviões, que alegava tirarem a viagem do ato de viajar. Lá, passamos uma curta noite em um hotel. Em outro trem, cruzamos os Alpes, passando por todas as elevações azuis e brancas de nosso mapa de casa. Do lado de fora de uma empoeirada estação amarela, meu pai deu a partida em nosso carro alugado e prendi a respiração até nos depararmos com os portões de uma cidade que ele me descrevera tantas vezes que eu já a via em sonhos.

O outono chega cedo no sopé dos Alpes eslovenos. Antes mesmo de setembro, as colheitas abundantes são seguidas de uma chuvarada repentina e mordaz que dura muitos dias e derruba as folhas das árvores nas veredas das aldeias. Hoje, aos 50 anos de idade, dou por mim perambulando de tempos em tempos naquela direção, revivendo minha primeira visão do campo esloveno. É uma terra antiga. A cada outono, amadurece um pouco mais, in aeternum, e cada um deles começa com as mesmas três cores: uma paisagem verde, duas ou três folhas amarelas caindo em uma tarde cinzenta. Imagino que os romanos - que deixaram suas muralhas ali e suas arenas colossais no litoral, a poucas horas de carro em direção ao oeste - tenham visto o mesmo outono e sentido o mesmo arrepio. Quando o carro de meu pai passou pelos portões da mais velha das cidades julianas, abracei meu próprio corpo. Pela primeira vez, fui acometida pela excitação do viajante que olha de frente o rosto sutil da história.

Por ser essa a cidade onde minha história começa, vou chamá-la de Emona, seu nome romano, para protegê-la um pouco do tipo de turista que sai atrás de desgraças com um guia de viagem na mão. Emona foi construída em cima de estacas de construções da Idade do Bronze, ao longo de um rio hoje margeado por arquitetura art nouveau. Durante os dois dias seguintes, andando a pé, iríamos passar pela mansão do prefeito, por residências do século XVII adornadas com flores-de-lis prateadas e pelos fundos inteiriços e dourados do prédio de um grande mercado, cujos degraus começavam junto a velhas portas fortemente trancadas e desciam até a superfície da água. Durante séculos, cargas de mercadorias transportadas pelo rio tinham sido trazidas por ali para alimentar a ­cidade. E onde outrora cabanas primitivas haviam proliferado nas margens, sicômoros - os plátanos europeus - agora cresciam, formando um imenso cinturão acima das amuradas do rio, e soltavam pedaços encaracolados de suas cascas na correnteza.

Perto do mercado, a praça principal da cidade abria-se sob o céu pesado. Emona, como suas irmãs do sul, exibia floreios de um passado camaleônico: art déco vienense na silhueta dos prédios contra o céu, grandes igrejas vermelhas da Renascença dos seus católicos de língua eslava, capelas medievais escuras com grossos anteparos e as formas típicas das ilhas Britânicas. (São Patrício mandou missionários para essa região, fechando o círculo do novo credo ao voltar às suas origens mediterrâneas, de modo que a cidade se gaba de ter uma das mais antigas histórias cristãs da Europa.) Aqui e ali, um elemento otomano salientava-se em um batente de porta ou na moldura pontuda de uma janela. Perto do mercado, os sinos de uma pequena igreja austríaca chamavam para a missa vespertina. Homens e mulheres vestidos com uniformes de casacos azuis de algodão caminhavam de volta para casa ao final de mais um dia de trabalho socialista, segurando guarda-chuvas sobre seus embrulhos. Ao nos aproximarmos do coração de Emona em nosso carro, meu pai e eu atravessamos uma linda ponte antiga, guardada em cada extremidade por dragões de bronze de pele esverdeada.

- Lá está o castelo - disse meu pai, diminuindo a marcha na orla da praça e apontando para cima através de um véu de chuva. - Sei que você vai querer vê-lo.

Queria mesmo. Estiquei-me e estendi o pescoço até enxergar o castelo em meio aos galhos de uma árvore encharcada - torres castanhas carcomidas em uma elevação íngreme no centro da cidade.

- Século XIV - disse meu pai, pensativo. - Ou XIII? Não sou muito bom com essas ruínas medievais, não a ponto de acertar o século exato. Mas depois podemos olhar no guia.

- Podemos ir até lá e explorá-lo?

- Vamos saber depois de minhas reuniões de amanhã. Aquelas torres não devem agüentar nem o peso de um passarinho, mas nunca se sabe.

Ele estacionou o carro perto da prefeitura e ajudou-me a sair do banco do passageiro, galante, a mão ossuda dentro da luva de couro.

- Está um pouco cedo para nos registrarmos no hotel. Quer tomar um chá quente? Ou podemos fazer um lanche naquela gastronomia. Está chovendo mais forte - acrescentou, indeciso, olhando para meu casaco e minha saia de lã. Peguei rapidamente a capa de chuva com capuz que ele me trouxera da Inglaterra no ano anterior. A viagem de trem de Viena levara quase um dia e eu já estava com fome de novo, apesar de nosso almoço no vagão-restaurante.

Mas não foi a gastronomia, com suas luzes vermelhas e azuis brilhando fracamente através da janela encardida, garçonetes com sandálias azul-marinho de salto plataforma e a indiscutível e carrancuda imagem do camarada Tito que nos atraiu. Abrindo caminho entre os pedestres molhados de chuva, meu pai de repente saiu correndo.

- Vamos! - E eu o segui às carreiras, as beiradas do meu capuz batendo no rosto e quase não me deixando enxergar. Ele tinha avistado a entrada de uma casa de chá art nouveau, uma grande vitrine decorada com desenhos de arabescos e cegonhas caminhando, portas de bronze com a forma de centenas de caules de lírios-do-vale. As portas se fecharam pesadas atrás de nós e a chuva transformou-se em névoa, apenas vapor na janela, vista através dos pássaros prateados como uma mancha de água.

- É incrível isto aqui ter sobrevivido nesses últimos trinta anos - meu pai disse enquanto tirava sua capa de chuva London Fog. - O socialismo nem sempre é tão benevolente com seus tesouros.

Em uma mesa perto da vitrine, tomamos chá com limão, escaldante nas xícaras grossas, comemos sardinhas no pão branco com manteiga e até umas fatias de torta.

- É melhor pararmos por aqui - disse meu pai. Ultimamente, eu passara a não gostar daquela mania que ele tinha de assoprar seu chá sem parar para esfriá-lo, e também a recear o inevitável momento em que ele dizia que deveríamos parar de comer, parar de fazer qualquer coisa prazerosa e nos pouparmos para o jantar. Olhando para ele, bem arrumado em seu paletó de tweed e suéter de gola rulê, senti que ele não se permitira qualquer aventura na vida com exceção da diplomacia, que o consumia inteiramente. Teria sido mais feliz vivendo a vida um pouco, pensei; para ele, tudo era sério demais.

Mas fiquei calada, porque sabia que ele detestava minhas críticas e porque eu tinha algo a perguntar. Precisava deixá-lo primeiro terminar seu chá, e assim recostei-me em minha cadeira, mas apenas o suficiente para que meu pai não me pedisse para por favor sentar com as costas retas. Pela janela salpicada de prata, via uma cidade molhada, melancólica no fim de tarde, e pessoas passando apressadas sob uma chuva que caía horizontalmente. A casa de chá, que deveria estar cheia de senhoras com vestidos longos e retos de gaze cor de marfim, ou de cavalheiros com barbas pontudas e paletós de golas de veludo, estava vazia.

- Não me dei conta de como a viagem de carro me cansou. - Meu pai pousou sua xícara e apontou para o castelo, que mal se distinguia através da chuva. - Foi daquela direção que viemos, do outro lado daquela colina. Vamos poder ver os Alpes lá do alto.

Lembrei-me das montanhas de encostas nevadas e senti que elas respiravam por cima daquela cidade. Estávamos agora juntos e sozinhos do lado oposto delas. Hesitei, respirei fundo.

- Pode me contar uma história? - As histórias eram um dos consolos que meu pai sempre proporcionara à sua filha sem mãe; algumas ele tirava de sua agradável infância em Boston e outras de suas viagens exóticas. Outras ainda ele inventava para mim na hora, mas nos últimos tempos eu me cansara destas, achando-as menos surpreendentes do que pensava antes.

- Uma história sobre os Alpes?

- Não. - Senti uma inexplicável onda de medo. - Encontrei algo sobre o qual queria perguntar a você.

Ele se virou e olhou para mim com brandura, as sobrancelhas grisalhas arqueando-se por cima dos olhos cinzentos.

- Foi na sua biblioteca - disse eu. - Desculpe, mas… eu estava bisbilhotando e encontrei uns papéis e um livro. Não olhei… muito… os papéis. Pensei que…

- Um livro? - O tom ainda era brando, ele olhava sua xícara de chá à procura de uma última gota, parecia não estar prestando muita atenção.

- Davam a impressão… o livro era muito velho, com uma figura de dragão no centro.

Ele se inclinou para a frente, ficou muito parado e depois visivelmente estremeceu. Aquele gesto estranho logo me deixou alerta. Se houvesse uma história, seria diferente de todas as outras que ele me contara. Lançou-me um olhar de relance por baixo das sobrancelhas e espantei-me ao ver como ele parecia abatido e triste.

- Ficou zangado? - Agora eu também olhava para o fundo de minha xícara.

- Não, querida - ele suspirou profundamente, quase desgostoso. A pequena garçonete loura encheu de novo nossas xícaras e tornou a nos deixar sozinhos, mas ele ainda demorou bastante para começar a falar.

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